• Carnaval: do paganismo ao cristianismo e religiões de matriz africana

    Sociólogo Luiz Fellipe Gonçalves de Carvalho explica como surgiu a comemoração brasileira.

Carnaval: do paganismo ao cristianismo e religiões de matriz africana

14 Fev, 2024 11:43:42 - Geral

Brasília (DF)

Samba, frevo, maracatu e bloquinhos: Está chegando a maior festividade do Brasil, o Carnaval.  A comemoração popular que arrasta milhões para as ruas. A data é também um momento importante para a economia, já que deve movimentar R$9 bilhões este ano, de acordo com a Confederação do Comércio. Sua origem remonta de diversos sincretismos culturais e religiosos de múltiplos povos e continentes. Muitos pensam que a festa surgiu em Veneza, na Itália, mas será que este é o verdadeiro berço do Carnaval brasileiro?

De acordo com o sociólogo Luiz Fellipe Gonçalves de Carvalho, a festa teve contribuição de diversas regiões. Na Europa, surgiu oficialmente por causa do cristianismo, mas teve elementos herdados de celebrações antigas. “Da Mesopotâmia o carnaval herdou homens se vestindo como mulheres e vice-versa. No período festivo os papéis que existiam na sociedade eram invertidos. Havia também em Roma a Saturnália no solstício de inverno de dezembro, e a Lupercália em fevereiro. As festas eram regadas de comidas, bebidas e danças. Tradições greco-romanas realizavam festas em homenagem ao deus do vinho. Os Bacanais (Em homenagem ao deus Baco dos romanos) e as festas Dionisíacas (Em homenagem ao deus Dionísio dos gregos), eram comemorações hedonistas”, explica Luiz.

Influência pagã

No século XI, no período fértil da agricultura, os jovens se fantasiavam de mulheres e saíam durante as noites. Diziam-se habitantes da fronteira do mundo dos vivos e mortos e entravam em casas, aproveitando comidas e bebidas e beijando as moradoras jovens. Somente no século XVI, com o apoio da nobreza, a Igreja Católica iniciou medidas de controle. “O conservadorismo buscava controlar a vida privada do cidadão, e por consequência, demonizar as comemorações pagãs e populares. Alguns países proibiram as festas, e outros estabeleceram épocas específicas para elas”, acrescenta Fellipe.

Participação da Igreja na criação

Buscando ressignificar festas pagãs, foi estabelecido o “Carnis levale”. Sua duração seria até a Quaresma, período de 40 dias que antecede a Semana Santa. Isso condensou as comemorações em uma época. “A data surgiu para as pessoas extravasarem os desejos. A expressão significa “retirar a carne”, ou seja, o momento para que os prazeres carnais fossem retirados. No início o Carnaval estendia-se durante várias semanas, entre o Natal e a Páscoa, depois recebeu data fixa e passou a ser comemorado entre o domingo e a terça-feira anteriores à Quaresma”, acrescenta o especialista.

Somente durante o Renascimento na Itália que surgiu a commedia dell'arte com os teatros improvisados. Em Florença, canções eram cantadas para acompanhar os desfiles de carros decorados. Em Roma e Veneza, os participantes usavam capas com capuzes, além de chapéus e as tradicionais máscaras brancas.

Brasil e as religiões de matriz africana

Segundo o sociólogo, no Brasil a festa teve contribuições de diversas culturas. “Além das práticas pagãs da Europa e do Carnaval de Veneza, hoje vemos influência direta de povos africanos. Desde o Egito, onde os habitantes faziam festas para a deusa Ísis em celebração às cheias do rio Nilo e  fartura, enfeitando cidades, barcos e criando canções e danças; Até influências dos Iorubás da Nigéria, Benim e Togo, onde o mito dos Orixás ensina que louvá-los é cantar e fazê-los dançar junto aos humanos. “Inúmeras etnias africanas foram trazidas para cá durante a escravidão, cada uma com culturas e religiões diferentes. Assim nasceram as religiões de matriz africana: as nações do Candomblé como Nagô, Angola, Jeje e o Ketu, a Umbanda, a Quimbanda, o Batuque e o Xangô de Pernambuco”, destaca Luiz.

No final do século XIX os alforriados iniciaram novas vidas em outras cidades, principalmente na capital do país, que na época era o Rio de Janeiro. Assim, os cultos começaram a ser regulares e em lugares específicos: os terreiros, onde a cultura sobreviveu à tentativa de apagamento histórico dessas etnias. “É com os terreiros e as “tias baianas”, matriarcas vindas da Bahia, que o samba se manteve vivo. Elas cediam suas casas como ponto de encontro para cultos de religiões de matriz africana, rodas de capoeira e música. Aí começa a popularização do samba, mesmo com a criminalização do gênero desde 1890, quando foi estabelecido o crime de "vadiagem". A simples posse de um instrumento podia ser interpretada como vagabundagem. O crime rendia de 15 dias até três meses de prisão. O ritmo só passou a ser mais aceito a partir do Governo Vargas, juntamente com a capoeira, que também era criminalizada”, acrescenta.

O ritmo das baterias das escolas de samba também são inspirados nos batuques africanos e nos ritmos dos atabaques de terreiros. “O samba, e por consequência as Escolas de Samba serviram como refúgios para praticantes dessas religiões. Tanto que há representações e cultos aos orixás e entidades em boa parte dos samba enredos. Até a própria ala das Baianas é uma homenagem às “tias” baianas”, destaca Carvalho.

Desde a década de 1880 é documentado que participantes do Candomblé se reuniam para desfilar. Os Afoxés surgiram como grupos uniformizados que se apresentavam publicamente com adereços e ricos figurinos. Contavam histórias de uma África gloriosa, distante da pobreza comumente retratada, do atraso e da escravidão. A ideia da manifestação surgiu em orientações e consultas no terreiro, identificando os caminhos a serem seguidos, o nome e a musicalidade. Após oferendar um padê pedindo proteção para Exu, o Orixá mensageiro, os grupos desfilam até hoje ao som de Ijexá (ritmo ligado a Oxum e a outros Orixás). O maior e mais famoso é o “Filhos de Gandhy””, esclarece o sociólogo.

Influência de outras práticas

O Carnaval também teve colaboração de festas e costumes como o entrudo entre os séculos XVI e XVII. Essa brincadeira se popularizou no Rio de Janeiro e era realizada dias antes do início da Quaresma. Nessa época as pessoas jogavam farinha, limões, água suja ou aromatizada, lama e urina umas nas outras. Essa brincadeira era realizada tanto pelas classes altas quanto pelas camadas populares, e foi muito comum até parte do século XIX.

Com o passar do tempo, essa prática foi sendo substituída nas elites por práticas carnavalescas da aristocracia europeia do século XVIII. A partir do século XIX, os bailes de máscaras começaram a popularizar-se, e, com a criação de sociedades carnavalescas, foram levados para as ruas. Isso gerou a tradição de se fantasiar durante o período. “As sociedades começaram a desfilar publicamente, e a partir do século XX, o envolvimento popular com a festa contribuiu para a consolidação de ritmos que incorporavam a influência da cultura de países africanos na capital. A partir da década de 40 e 50, o samba e os desfiles das escolas de samba tornaram-se a base do Carnaval. O sucesso das escolas levou à inauguração do Sambódromo em 1984 no Rio de Janeiro", finaliza o estudioso.

Sobre Luiz Fellipe Gonçalves de Carvalho


Sociólogo, filósofo, palestrante e escritor. Idealizador da escola de yoga “Movimento Ahimsa” e membro da sociedade de alto QI Mensa. Pesquisador do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito - CPAH.

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