• Escola Pública com muitas religiões, sem diálogo entre elas!

    Por Prof. Ascânio João

Escola Pública com muitas religiões, sem diálogo entre elas!

09 Nov, 2017 11:06:50 - Artigo

Para os que estudam a história do Brasil e da América Latina, é clássica a reflexão acerca do Padroado ou Patronato. A organização das colônias e, no Brasil, do Império, definia a religião do estado e, especialmente, como e onde atuariam a religião e os seus líderes. Esse modelo persistiu, teoricamente, até a proclamação da República. No último dia 27 de setembro, tivemos a reimplantação deste paradigma nas escolas do Brasil, em decisão apertada da mais alta corte de nosso país.

Sem pretender uma análise exaustiva, tecerei alguns comentários que considero centrais neste momento do Brasil. Partindo da Constituição, passando pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelecerei entre os julgadores da Ação de Inconstitucionalidade, no STF, os que defenderam a morte ou a sobrevivência do Ensino Religioso, no plural espaço da Educação Básica.

Da Constituição

No preâmbulo, os constituintes mantiveram a ideia teísta da cultura brasileira, sem adjetivar nem rotular a figura de Deus. Pode-se deduzir que mesmo os que não têm fé religiosa, teriam os benefícios desse desejo “sob a proteção de Deus”. Como diriam os galegos, “no creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

No artigo 210, teremos a fixação de conteúdos mínimos, assegurando a formação básica comum e o respeito aos valores culturais e artísticos da nação brasileira (talvez a tentativa atual da BNCC). O primeiro parágrafo, então, neste contexto, fala do Ensino Religioso, como disciplina nas escolas públicas, tendo a histórica matrícula facultativa como salvaguarda a qualquer arbitrariedade ou desvio dos princípios exarados no início do artigo 210.

Da LDB – Lei 9394/96

O artigo 33, que trata do Ensino Religioso, teve a primeira alteração da LDB, exatamente pela questão que agora voltou à tona. Na primeira versão, de dezembro de 1996, era previsto um espaço-tempo, na escola pública, para cada organização religiosa ou um conjunto delas ocuparem seus fiéis com catequese ou formação religiosa específica, sem ônus para o estado. Na versão de julho de 1997, em consonância com o conceito constitucional, volta o Ensino Religioso a fazer parte da educação básica do cidadão (não do fiel), assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997). Mesmo em sintonia com as diversas organizações religiosas, o Ensino Religioso não será uma invasão das religiões na escola pública visando aprofundar conhecimentos específicos de seus membros já assumidos.

ADIN 4439 (pautei minhas observações nas fontes digitais do stf.jus.br )

Os redatores do acordo entre o Brasil e a Santa Sé retomaram, praticamente, a redação original do artigo 33 da LDB, o que gerou a ação da Procuradoria Geral da República no sentido de impedir que o Ensino Religioso, nas escolas públicas, fosse loteado por religiões específicas e ministrado por representantes dessas confissões religiosas; evitar-se-ia que a escola pública se transformasse em extensão de cada uma das múltiplas tradições religiosas que, legitimamente, atuam no país. De um espaço de conhecimento e de convite ao diálogo, voltaria a ser a formação e doutrinação específica.

O grupo dos que mataram o Ensino Religioso Escolar

Argumentos: o Estado Brasileiro não tem uma religião, portanto, não haveria o que ensinar (o estado brasileiro não tem uma Matemática, portanto...!!!; favor consultar, no Brasil e no mundo, cursos de Ciências das Religiões); o estado ficaria responsável pelas salas de aula e a organização, e as crenças religiosas, previamente cadastradas em igualdade de condições, ofereceriam o seu ensino (igualdade de condições!!! e o estado sem ônus, pois os catequistas seriam oferecidos pelas organizações religiosas!!!); comparou-se a escola pública com entidades civis e militares de internação (quartéis, internatos, hospitais ou cadeias) e que o Ensino Religioso equivaleria à assistência religiosa aos fiéis internados; impedir que o estado favoreça algumas organizações religiosas que influenciariam o Ensino Religioso não confessional e garantir que todas tenham as mesmas oportunidades de atuação nas escolas públicas, com os seus seguidores (imaginemos o cotidiano escolar como será!!!); a matrícula facultativa é garantia que impedirá qualquer constrangimento e, portanto, se mantém assim, a neutralidade do estado acerca das religiões; a liberdade de crença, de expressão e manifestação de ideias que permite a catequese no ambiente da escola pública.

O grupo dos que buscavam a sobrevivência do Ensino Religioso Escolar

Argumentos: no estado laico, o Ensino Religioso na escola pública deve ser não confessional, pois descaracterizaria a concepção brasileira de uma educação oferecida pelo estado, para todos; com 140 diferentes denominações religiosas devidamente registradas no país, como garantir a presença nas escolas públicas, senão apenas para as majoritárias???; a hipótese das organizações religiosas constituírem seus representantes como professores destrói o conceito dos concursos públicos e das devidas prerrogativas para lecionar, conforme legislação;  aponta-se a formação dos professores credenciados formalmente para lecionarem Ensino Religioso (graduação e especializações) em contrapartida aos referendados pelas organizações religiosas (seriam estes pagos pelo estado?); o Ensino Religioso deve ser disciplina específica, não transversal, sem confessional para assegurar a facultatividade de sua matrícula, a qualquer tempo; a necessidade de o Ensino Religioso assegurar a convivência pacífica e harmoniosa entre os seguidores das várias confissões religiosas e os que não têm opção religiosa exige conhecimentos específicos e a construção do respeito recíproco, finalidade da escola em todos os âmbitos da vida humana; questiona-se o uso da escola pública para o ensino da fé (neste caso, de qualquer confissão religiosa); o estado laico não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico, afirmou um ministro, não cabendo ao estado incentivar o avanço de correntes religiosas específicas; o estado brasileiro há de manter-se em posição de estrita neutralidade em seus valores, para preservar, em favor dos cidadãos, a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa.

Trabalho há 31 anos com Ensino Religioso não confessional, em sala de aula e na formação de professores desta área de conhecimento. Acredito neste caminho educacional como construção das bases de uma sociedade mais dialógica, que assume as diferenças como riquezas da cultura construída, inclusive com as interfaces das experiências religiosas pessoais e coletivas. Não consigo imaginar a formação cidadã de nossas crianças e adolescentes sem um componente histórico e crítico acerca das construções de sentido para a vida –chamadas de tradições ou experiências religiosas -  no espaço curricular do Ensino Religioso.

Mesmo atuando em instituições mantidas por entidades confessionais, quando meus alunos me perguntavam, depois de um ano de aulas de Ensino Religioso, qual era a minha religião, eu admitia: consegui ajudá-los a conhecer várias tradições e experiências religiosas numa perspectiva mais respeitosa, mais humana, com menos julgamento e mais acolhimento da diferença. Talvez seja esta a demanda desses tempos com tantos juízos, tanta violência, tanta discriminação, tanto ódio e desconhecimento.

Que a sociedade brasileira não admita retroceder em questões fundamentais já conquistadas, tanto em seu convívio social quanto no interior de suas escolas.

Prof. Ascânio João (Chico) Sedrez é Diretor do Colégio Marista Glória e Mestre em Ciências da Religião.

REDAÇÃO JINEWS
Postado por REDAÇÃO JINEWS

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