Congresso de Direito Público debate jurisdição de contas

04 Mai, 2017 10:34:44 - Política

Florianópolis (SC)

O “Direito Processual de Contas” foi o tema da primeira abordagem do debate sobre aspectos que envolvem o reconhecimento da existência de uma jurisdição de contas, no cenário jurídico do País, no dia 28 de abril, durante o Congresso de Direito Público: Administração, Controle e Sociedade, promovido pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), em sua sede, em Florianópolis. Hamilton Hobus Hoemke, coordenador de consultas da Consultoria Geral (COG) do TCE/SC e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), estabeleceu um elo entre jurisdição e direito processual de contas. “A questão do Direito Processual de Contas está diretamente vinculada à aceitação da ideia da existência de uma jurisdição de contas, ou seja, admitir que há algo além do [Poder] Judiciário”, defendeu o auditor fiscal de controle externo.

O painel teve como moderador o chefe de gabinete da Presidência da Corte de Contas catarinense, Ricardo André Cabral Ribas, advogado, especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Ciências Jurídicas (INCIJUR) e mestrando em Direito Ambiental e Urbanístico pela Univali. Também contou com exposições de George Brasil Paschoal Pítsica, coordenador de jurisprudência da Consultoria Geral do TCE/SC, Mestre em Ciência Jurídica pela Univali, sobre a aplicabilidade do novo Código de Processo Civil (lei n. 13.105/2015) no âmbito dos TCs, e de Luiz Magno Pinto Bastos Junior, advogado e pós-Doutor pelo Centro de Direitos Humanos e Pluralismo Jurídico, da Universidade McGill (Montreal, Canadá), sobre a responsabilidade dos gestores nos processos de contas.

Processo de Contas

Ao tratar das diferenças entre os modelos de atuação da Controladoria — não julga — e dos TCs, que têm a competência de julgar, Hoemke, autor da obra “Tribunal de Contas – Direito Processual de Contas: Jurisdição, Provas e Partes”, lembrou que essa condição demanda maior robustez, diante das atribuições, no âmbito do controle externo, previstas no art.71 da Constituição Federal. Entre elas, citou a emissão de parecer prévio sobre as contas anuais de gestores, como governadores e prefeitos, o julgamento das contas dos responsáveis pela gestão de recursos públicos e a análise, para fins de registro, da legalidade dos atos de admissão de pessoal.

 O coordenador de consultas da COG destacou as características do processo de julgamento de contas, que tem o ilícito como pressuposto, julgador imparcial, iniciativa processual às partes e a coisa julgada ou o título executivo, como resultado. Quanto às fases, apontou a pré-processual, decorrente da obrigação de prestar contas, de qualquer pessoa física ou jurídica que utilize recursos públicos — art. 70, § único, da Constituição Federal — e a processual. No âmbito desta última, fez menção ao art. 373, do Código de Processo Civil (lei n. 13.105/2015), que atribui o ônus da prova, a quem alega.

“No caso do processo de contas, a fase pré-processual é anterior à citação, momento em que a auditoria de contas pode requisitar todos os documentos e informações, e o gestor público tem a obrigação de fornecê-los”, esclareceu o auditor fiscal de controle externo do TCE/SC. Por outro lado, na etapa processual, oportunidade em que o gestor é apontado por ter cometido alguma irregularidade, compete à auditoria de contas provar a irregularidade. “O ônus da prova cabe a quem alega, princípio este incidente em todos os códigos processuais brasileiros”, reiterou.

Entre os fundamentos normativos do direito processual de contas, Hoemke apontou os inscritos nos arts. 73 e 96 da Carta Federal, que definem a composição, sede e atribuições do Tribunal de Contas da União (TCU) e o art. 15 do novo CPC, que prevê a aplicação das suas disposições — supletiva e subsidiariamente — na falta de normas que regulem processos administrativos. Nesse contexto, defendeu o debate sobre a necessidade de um código de processo de contas nacional, em favor da uniformização das normas processuais — prazos, tramitação — no âmbito dos TCs do País. “Os Tribunais de Contas aprovaram suas leis orgânicas e inseriram nelas as normas processuais. Apesar da simetria com o TCU [Tribunal de Contas da União], existem diferenças nos procedimentos adotados”, concluiu.

Novo CPC

Como aumentar a quantidade de decisões e ao mesmo tempo buscar melhorar a qualidade dos julgados? A questão serviu de fio condutor para a exposição do professor de Direito Processual Civil na Univali, George Brasil Paschoal Pítsica, sobre a aplicabilidade de dispositivos do novo Código de Processo Civil aos processos apreciados pelos Tribunais de Contas. O auditor fiscal de controle externo também defendeu o papel do Direito Jurisprudencial para a solução do que considera o maior dilema processual da atualidade: conciliar quantidade e qualidade das decisões.

“O novo Código [de Processo Civil] apontou a direção”, disse Pítsica, ao abordar dois pilares da norma — sistema de precedentes e fundamentação das decisões — para combater a chamada jurisprudência de loteria. O art. 926 do CPC, por exemplo, determina que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. O artigo seguinte trata da observância das decisões obrigatórias, entre elas, as prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante e os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

Em prol da qualidade das decisões, o coordenador de jurisprudência da COG destacou, ainda, que o art. 489, § 1º, do novo Código arrola os casos mais problemáticos quando se trata da fundamentação. Não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, é um deles. De acordo com o CPC, nesses casos não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão. “Os Tribunais de Contas podem pegar carona”, defendeu Pítsica. Ele insistiu na relevância da fundamentação das decisões e da implementação de sistemas de jurisprudência no âmbito dos TCs.

Para o auditor fiscal de controle externo do TCE/SC, os princípios inscritos nos 10 primeiros artigos do novo Código também se aplicam aos processos dos Tribunais de Contas. O direito das partes de obter em prazo razoável a solução integral do mérito e o estímulo ao uso de métodos alternativos — conciliação, mediação —, para a solução consensual de conflitos, foram dois exemplos citados pelo palestrante.

Responsabilidade de gestores

A “Responsabilização do Gestor” foi o último tema do debate sobre “Jurisdição de Contas”, sob a responsabilidade do advogado Luiz Magno Pinto Bastos Junior, advogado militante nas áreas de direito eleitoral e direito administrativo e coordenador do Observatório do Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Univali.

“Temos ou não temos uma jurisdição de contas? E o que é necessário para que tenhamos essa jurisdição reconhecida?”. Foi com a resposta a essas duas questões, apresentadas pelo moderador do painel, Ricardo André Cabral Ribas, que Luiz Magno iniciou sua exposição. Disse estar convencido da existência de uma jurisdição de contas, mas defendeu que ela deva caminhar para a formulação de uma lei nacional de processo de contas, em favor da garantia do exercício do contraditório e da ampla defesa no âmbito dos Tribunais de Contas. “Há, ainda, uma relativa opacidade do processo de contas”, justificou o professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali.

Magno lembrou que a apreciação do processo de contas original, que avalia o cumprimento dos princípios constitucionais e a regularidade formal da execução orçamentária, não é uma peça acusatória e, nesse caso, há reserva de jurisdição quase absoluta. No entanto, quando a análise da regularidade das contas resultar na imputação de débito ao gestor responsável, diante de dano ao erário, ocorre a dualidade de jurisdição. Porque a apuração dos atos ilícitos e eventuais sanções impostas aos agentes públicos podem redundar num processo penal, com características acusatórias, inclusive no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa (lei 8.429/92). “Na conversão desse processo [de contas] em Tomada de Contas — processo acusatório —, o gestor passa a se defender dos seus atos”, destacou.

Diante dessas situações, o professor da Univali considera necessário que os TCs revejam o rito do procedimento acusatório e a fundamentação dos processos, com a exigência da individualização de condutas e respeito à cadeia de responsabilidades — dolosa e culposa.

Nesse contexto, o advogado sustentou a importância da garantia da “materialidade” do devido processo legal, com a atuação de defensores dativos para processos de contas. “Para falarmos em jurisdição, o que pressupõe ampla defesa, é necessário assegurar defesa técnica”, disse Magno.

O palestrante também demonstrou preocupação quanto aos aspectos que envolvem a produção de prova no âmbito da jurisdição de contas. “Em um processo acusatório, o gestor não poderia ser julgado sem que se pronuncie nos autos”, ressaltou, ao registrar que não há oportunidade formal para o gestor se manifestar após o relatório conclusivo. “No rito procedimental, deveria se garantir que, nos autos, quem fale por último [antes da decisão] seja o acusado.

Quanto ao controle da constitucionalidade de leis e atos normativos, o advogado reconhece essa prerrogativa das Cortes de Contas, em matéria de sua competência, mas questiona a imputação de débito aos gestores que aplicaram a lei declarada inconstitucional. “O gestor em princípio, tem que aplicar a lei. Somente de maneira residual poderia redundar na imputação de débito, mas tenho dúvidas”, declarou.

O Congresso de Direito Público reuniu cerca de 200 pessoas, entre agentes públicos, profissionais que atuam na área do Direito Público e demais interessados. Durante dois, foram debatidos temas como sustentabilidade, constitucionalismo, políticas públicas, governança, serviço público, sociedade e governo, jurisdição de contas, controle e fiscalização. O evento foi realizado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, sob a coordenação científica da auditora substituta de conselheiro Sabrina Nunes Iocken e da assessora do seu gabinete, auditora fiscal de controle externo Vanessa dos Santos, Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC. A organização coube ao Instituto de Contas do TCE/SC.

O Instituto de Altos Estudos de Direito, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o Instituto Rui Barbosa (IRB), a Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon), a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon) e o Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (Idasc) apoiaram a iniciativa.

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO

REDAÇÃO JINEWS
Postado por REDAÇÃO JINEWS

Tudo o que acontece em Içara, Balneário Rincão e na região você encontra primeiro aqui!

EXPRESSO COLETIVO ICARENSE
coopercocal