• André Cechinel, professor e tradutor, fala sobre sua pesquisa

André Cechinel, professor e tradutor, fala sobre sua pesquisa

23 Mai, 2017 16:21:26 - Geral

Florianópolis (SC)

Na coluna “A Voz do Autor” desta semana, trouxemos reflexões sobre Educação e Literatura, com a ajuda do nosso entrevistado, o professor e tradutor André Cechinel. Doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com estágio na New York University (NYU), e Mestre em Literatura pela também UFSC, Cechinel é graduado em Letras e Literatura de Língua Inglesa. Em nossa conversa ele fala sobre sua pesquisa, por meio da qual busca compreender o lugar da teoria literária no mundo contemporâneo, cujas ideias estão justamente presentes no livro O lugar da teoria literária, publicado pela EdiUnesc.

Este é um tema que consequentemente puxa outras ponderações: como pensar a teoria literária se sequer temos uma base sólida de leitores no Brasil? E como conquistar novos apreciadores dos livros, sendo que os jovens, hoje, são submetidos a tantos outros estímulos? Como tradutor, Cechinel adaptou para o português uma obra que trata do método de ensino de Dom Lorenzo Milani, que é totalmente avesso à competição entre alunos, sendo este mais um fio condutor desta entrevista. Confira, então, a conversa completa:

1) Em seus estudos, o senhor busca compreender o espaço ocupado pela teoria literária como disciplina acadêmica. O senhor acredita que é preciso fazer uma “defesa” da teoria para que não caia em desuso? E, consequentemente, qual a importância da teoria literária hoje?

Curiosamente, o perigo que ronda a teoria literária diz menos respeito a uma falta do que a um excesso, ou melhor, diz respeito a uma presença de ampla abrangência, porém incapaz de revelar-se enquanto singularidade. Em outras palavras, a teoria literária não me parece correr o risco de desaparecer ou de “cair em desuso”, mas sim de multiplicar-se exponencialmente a ponto de sua circulação tornar-se meramente burocrática ou inofensiva, se já não o é. Categorias literárias como “narrativa”, ‘texto”, “metáfora”, “alusão”, etc. constituem hoje lugares comuns no discurso das ciências humanas. Absolutizar essas categorias, contudo, pode significar – e tem de fato significado – perder de vista o desafio lançado pelas obras literárias em sua especificidade a fim de abraçar um mar infinito de objetos indiferenciados e lidos sob a ótica da textualidade – “tudo é texto”, “não há nada fora do texto” – ou de uma noção vaga e totalizante de cultura. A passagem da teoria literária para algo que passou a se chamar simplesmente “Teoria”, com “T” maiúsculo, simboliza bem esse risco. Eis o tema central proposto pelo livro O lugar da teoria literária e debatido pelos autores e capítulos que integram o volume. Como resposta crítica a esse cenário, a teoria literária poderia teorizar o espaço negativo ocupado pela literatura num momento em que as instituições, sejam estas escolas ou universidades, voltam-se cada vez mais para discursos relacionados à gestão de si e ao empreendedorismo mercadológico e utilitário, retratos da nova razão do mundo. O lugar desconfortável da literatura precisa ser teorizado e, a meu ver, carece de teorização.

 2) O senhor também realiza traduções, como a recente adaptação para o português do livro  Lorenzo Milani, a Escola de Barbiana e a luta por justiça social. Você costuma buscar traduções de temas e assuntos que façam parte do seu escopo de pesquisa e estudo? No caso, a obra citada trata da pedagogia de Dom Lorenzo Milani, que foca menos na competição e comparação entre alunos. Esta é uma área de interesse para o senhor? E mais: o que de mais desafiador há na tradução de um livro?

O livro sobre Lorenzo Milani, que traduzi juntamente com o Professor Dr. Rafael Rodrigo Mueller (UNESC), e a obra do pedagogo italiano interessam-me em particular pela reflexão que propõem em torno de uma escola colaborativa e não competitiva, como contraponto decisivo para os projetos educacionais que caracterizam o tempo presente. Nas escolas de Lorenzo Milani, a educação jamais era pensada como um processo voltado para um indivíduo apenas, mas sim como uma atividade coletiva e comunitária. Conforme os autores do livro (Mayo, Battini e Alessio) repetidamente mencionam, na escola de Barbiana, por exemplo, nenhum aluno seguia adiante em seu processo de aprendizagem sem que os demais estivessem igualmente prontos para dar o mesmo passo. Isso nos remete necessariamente à relação, identificada no livro, entre a pedagogia de Milani e a proposta pedagógica de Paulo Freire, propostas que eram, e são, simultaneamente críticas à estrutura escolar atual e às pedagogias centradas no indivíduo, pretendendo superar a lógica da competição imposta aos alunos desde a tenra idade. No lugar de uma educação para o mercado ou para a disputa por um lugar ao sol, Milani propôs uma escola para a vida em comum, algo muito distante do nosso mundo de vestibulares, rankings, listas de classificação, exames, avaliações constantes e resultados estritamente pessoais; aliás, estávamos longe também do conhecido leque de doenças que rotulam e desqualificam os sujeitos atualmente: depressão, transtorno de déficit de atenção, síndrome de hiperatividade, transtorno de personalidade limítrofe ou a síndrome de burnout etc. O sucesso individual, desacompanhado do progresso dos demais, constitui necessariamente um fracasso do ponto de vista de uma educação voltada para a justiça social. Como professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), trata-se de uma questão incontornável para as minhas atividades e reflexões.

 3) No Brasil, em que encontramos índices constantemente baixos de leitores, como o senhor acredita que é possível introduzir a literatura na vida de alunos, ainda mais nos tempos atuais, em que os livros dividem atenção com diversos outros estímulos sensoriais para crianças e adolescentes?

Uma das características que marcam o nosso tempo, como diz o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, é o excesso de positividades: informações, opiniões, imagens, sons e textos que chegam até nós sem cessar e numa aceleração contínua que impede qualquer reflexão mais cuidadosa. A nossa sociedade é, portanto, uma sociedade excitada e que precisa de estímulos o tempo todo para manter-se “conectada”, “ligada”. A literatura, aquela que deve ser lida e que arrasta consigo algum potencial crítico, trabalha a partir de outra noção de tempo e demanda atenção, concentração e releitura para ser compreendida; dessa forma, pode-se dizer, a literatura encontra-se na contramão do império de positividades do tempo presente. Seguem disso duas conclusões: 1) a literatura tende ao desaparecimento ou, pelo menos, a formas mais palatáveis, sobrevivendo como mero simulacro ou como uma etiqueta classificadora nas prateleiras das livrarias; 2) a tarefa política de quem trabalha com literatura é ao mesmo tempo ingrata e paradoxal, pois faz-se necessário indicar como indispensável o diálogo com o “inútil”, lutando sempre pelo “tempo a perder” num contexto em que “tempo é dinheiro”. Em suma, em vez de reflexões sobre “como fazer com que as crianças e os adolescentes leiam mais”, a nossa preocupação deveria voltar-se, antes, para uma outra forma de relação com o tempo e com os objetos. Isso significa lutar por um mundo mais “improdutivo” e, portanto, melhor, onde o tempo não esteja, assim como a Educação de modo geral, subsumido ao âmbito produtivo e puramente econômico da vida, característica umbilical de nosso tempo. Vale, de resto, em oposição às reformas educacionais sinalizadas pelo governo hoje, apontar que a “educação para o trabalho” – em termos de formar exclusivamente um sujeito para se tornar “produtivo”, desconsiderando assim outras dimensões da formação humana, nas quais a arte, ciência e lazer são condições sine qua non – choca-se com qualquer proposta de uma Educação Libertadora nos moldes de Freire e Milani.

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REDAÇÃO JINEWS
Postado por REDAÇÃO JINEWS

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